terça-feira, 27 de março de 2012

Pedaços de História #1

Tenho 27 anos. 
O meu primeiro trabalho, assim com ordenado e tudo, foi aos 14. 
Eu queria ganhar dinheiro que sabia nunca ir usufruir dele porque a minha avó o iria confiscar. Ainda assim qualquer coisa era melhor que estar em casa. Eram as férias grandes, e na altura eram definitivamente grandes. Eu ficava sempre em casa a lavar, cozinhar, costurar, limpar e a imaginar como seriam os meus novos colegas de turma quando as aulas começassem. Imaginava o que estariam eles a fazer naquelas mesmas férias. Trabalhei mês e meio numa fábrica de plásticos. Cortei, dobrei e arrumei plástico durante esse tempo. Foi duro. Muito duro. As crianças nessa idade querem é ir para a praia ou brincar. E aquilo não era de todo a brincar. Criei calos nas mãos. Para, ao fim de mês e meio e muito, muito trabalho, a minha querida avó me dizer que aquele dinheiro lhe pertencia por direito e que não chegava para pagar todas as refeições que até então me tinha dado. A mim e às minhas irmãs.
Quando completei o 12º ano tinha 18 anos. Queria ir para a faculdade. Queria ser alguém na vida. Na altura pensava que ser alguém implicava fundamentalmente ter formação académica. 
Concorri para a Escola Superior de Policia e para uma série de faculdades. Fui fazer os testes para a policia mas infelizmente fiquei-me pelos físicos. Lavar a loiça e varrer a casa não me dava propriamente condição física, embora eu achasse que sim. Mas, entrei na Faculdade de Letras de Lisboa. 
Foi então que pensei, bem, tenho de ir trabalhar para conseguir pagar propinas, livros, deslocações e afins. Questionei a minha avó sobre essa hipótese e ela disse-me prontamente que sim. Qual quê?! Não devia estar virada para se chegar à frente com todos esses custos. 
Fui fazer tele-marketing. Estava na moda na altura. Quinze dias depois sai de casa porque já não aguentava mais ouvir aquela senhora a massacrar-me os ouvidos. Pormenores que não me apetece de momento falar.
A partir dai o meu curriculum vitae ganhou vida. 
-Auxiliar de lavandaria e posteriormente auxiliar de acção médica num hospital psiquiátrico;
-Operadora de caixa num supermercado;
-Interna numa casa de uma contabilista louca e de um advogado com a mania que era bom (2 dias, não aguentei a pressão)
-Operadora de call-center;
-Embaladora num talho (um frio que não se aguentava dentro daquelas arcas);
-Tradutora num restaurante chinês e empregada de mesa no mesmo (falavam todos chinês à excepção de um rapaz que dava uns toques no inglês e lá estava eu a traduzir aquela confusão toda);
-Operadora de caixa e posteriormente encarregada de loja numa loja de conveniência;
-Operadora de Arquivo da RTP (alguém vê a RTP Memória?! Eu ajudei para que aquilo fosse possível!);
-Figurante nas tardes da Júlia na TVI (2 ou 3 dias que eles pagam mal à brava!);
-Figurante numa série de séries e filmes (Até gostei!);
-Participações activas na arte de tirar imperiais em festivais de verão;
-Senhora das limpezas em eventos dos grandes em que se trabalha muito e se recebe consideravelmente bem;
-Operadora de Recuperação de Crédito num banco qualquer;
-Babysitter;
-Promotora;
-Operadora de Registo de Dados / Operadora de Qualidade;
-E mais um ou dois que não me lembro com certeza.
Enfim, fartei-me de trabalhar sabem?! E não, não passava a vida a ser despedida. Simplesmente tinha de conciliar sempre dois ou três trabalhos porque a vida é difícil.
De uns cansei-me. Noutros o contrato simplesmente chegou ao fim. Acho que nenhum dos meus patrões tem razão de queixa minha. Sempre fui esforçada e empenhada. Desempenhei sempre as minha funções de acordo com o que me era pedido. 
Tenho procurado trabalho, não estou desempregada, estou apenas desmotivada. Quero mudar. Quero começar por mudar de trabalho.
O meu currículo não me serve de nada. Não há trabalho, não há emprego, não há dinheiro, não há nada. 
Desisti dos estudos naquela altura. Nem me cheguei a matricular na faculdade na altura. Tinha de optar entre comer ou estudar. 
Hoje em dia penso em voltar a estudar. Pensei em milhares de opções. Mas falta-me o tempo. O dinheiro. A juventude. 
O que me tornou alguém na vida não foi efectivamente a formação académica. 
O que me fez quem sou foi a escola da vida. E essa meus amigos, é lixada, exigente, e se não tem cuidado chumbam. E não basta apenas ter boas notas para alcançar boas médias. Temos de estar permanentemente a fazer melhoria de notas. 
Aprendi a ser uma excelente dona de casa. Tomei conta das minhas irmãs. Aprendi a crescer. 
Crescer dói que se farta. Mas agora que sou uma mulher, que sou alguém na vida, posso dizer que quase tudo vale a pena. As dores. As derrotas. Os sorrisos. A escola.


1 comentário:

DRC disse...

Do que vi/conheci não te tens saído nada mal. Não és rica mas também não estás sozinha debaixo de uma ponte!

Continua a lutar, e a mudança se for para melhor é sempre bemvinda ;)